Mulheres Divididas

Esta série de desenhos foi realizada em um período de cinco meses, durante minhas visitas semanais à Delegacia da Mulher, localizada na Zona Leste, periferia da cidade de São Paulo.
Nas minhas visitas à Delegacia, ao passar pela porta principal, sempre encontrava sentada em um mesmo banco, uma silhueta feminina esperando sua vez de ser atendida. Como se eu fosse uma destas mulheres, costumava me sentar nesse mesmo lugar, observando o semblante de cada uma, o olhar voltado para baixo, o silêncio, a imobilidade, a lágrima contida, as roupas, os sapatos, as diferenças. Tudo isso foi me seduzindo. Pensei na quantidade de mulheres que já passaram por aquele mesmo banco, cada uma com sua história. Quis, de alguma maneira, registrar aquele momento, sem que isso criasse qualquer tipo de constrangimento para elas. Com um bloco de papel na mão e um lápis, passei a desenhar aquele instante único, o da espera.
Essa espera era tão longa, que pude registrá-la de forma detalhada. Concentrada na parte inferior do corpo das mulheres, os resultados foram corpos femininos divididos ao meio. Ao meio não só porque escolhi uma parte para observar e traçar, mas também porque elas estão sempre divididas, entre o amor e a dor. Muitas vezes, ainda amor pelos parceiros que as violentam; outras vezes, amor a Deus que, através da voz do homem, lhes pede paciência e resignação perante o sofrimento.
Desenhava compulsivamente e a cada nova mulher, um novo registro. Mantendo sempre o foco na mesma direção, o desenho foi formando diferentes mulheres, ocupando sempre o mesmo lugar, no mesmo banco.
No final do trabalho, conversei com cada uma delas e notei o quanto precisavam de ajuda. Precisavam de alguém para escutá-las, alguém com quem pudessem dividir seus problemas. E eu escutei, escrevendo seus depoimentos. São esposas, mães e filhas, mulheres que sofreram violência física e psicológica.
Estes desenhos mostram a cara do sofrimento. Não retratam ninguém, não identificam quem é a mulher, são apenas linhas que percorrem o papel, formando diferentes pernas, pés, palavras…

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