A última performance de Beth Moysés Leito Vermelho determina uma nova direção em sua trajetória de artista performática – uma das mídias que ela utiliza ao lado de instalações, vídeos e fotografia. Desde 1998, Moyses organiza no Brasil, onde ela reside, e em diferentes cidades na América do Sul e Espanha, desfiles performáticos com mulheres maltratadas – muitas das quais moram em abrigos. Estas performances são procissões silenciosas. Muitas vezes reúnem até 100 mulheres de baixa renda, que vestidas de noiva caminham silenciosamente pelas ruas movimentadas das cidades, denunciando a violência doméstica. Os pedestres e os carros param e as mulheres tomam conta do espaço público.
Realizada duas vezes, no Brasil e na Espanha, em Leito vermelho não participam mulheres com o sofrimento estampado em seus rostos. Desta vez, Moyses convidou seis jovens e atraentes estudantes para se sentarem em círculo e concentrarem-se em seus corações. Com seus olhos voltados para baixo, suas mãos se movem por vezes rapidamente, e outras vezes muito devagar, enquanto moldam seus próprios corações usando 30 quilos de pasta de batom vermelho que está no meio do círculo. Possivelmente o público não saiba que esta substância vermelha é semelhante àquela do batom que se compra em um estojo de luxo. No contexto da performance, é apenas uma substância, talvez sensual, por causa de sua cor brilhante e sua plasticidade mas relacionada com o corpo e os sentidos, do que com a mente e o intelecto. Contra seus corpos, já que no Brasil as jovens estavam nuas, ou contra o fundo branco dos lençóis, como na Espanha, as mãos das mulheres manipulam a pasta vermelha sistematicamente, explorando a plasticidade do material. O coração vermelho que moldam nos faz lembrar transmutações alquímicas, uma vez que para fazê-lo, elas espalham a pasta sobre seus corpos ou sobre o lençol branco.
Não há dúvida sobre o impacto visual que a performance provoca. Em sua comunicação teatral, a moldagem daquelas formas semelhantes a um coração, ou talvez só a representação de sentimentos, contêm algo especial: somente as mulheres podem sentir aquela substância oleosa sobre seus corpos e somente elas podem transmitir com o movimento de suas mãos agressões de todo tipo. Algumas fazem corações de forma figurativa, outros não representam o real, mas independente da forma este ritual altamente elaborado está carregado de emoções. Na seqüência da apresentação –a performance dura 1hora – as mãos das jovens, assim como seus corpos e os lençóis ficam impregnados com a massa vermelha. O cenário é caprichosamente atmosférico, ainda mais enfatizado pelo som ambiente que , de acordo com a artista, é semelhante a uma mantra que afeta diretamente o chacra do coração. A performance termina quando os participantes colocam seus corações- objeto sobre partes de seus corpos e depois de sentir o contato da massa gordurosa devolvem de volta no centro do círculo, onde o material estava originalmente .
Não é exatamente uma surpresa que a artista que apresentou a maioria de suas performances no espaço público das ruas das cidades, fizesse uso desta vez da estrutura e do conceito de um cenário mais formal: um espaço limpo, onde o espectador não tem nenhuma distração, a não ser olhar as mulheres sentadas em círculo manipulando esta substancia. Não é surpresa, porque desta vez, Moysés está mais concentrada em mostrar o que está por dentro, do que expor o resultado público de um sofrimento interior. Mesmo que confinado a um espaço de exposições, Leito Vermelho ecoa além dos confins deste espaço e ressalta a percepção do que acontece com os sentimentos antes que as marcas externas de dor física ou psicológica sejam visíveis exteriormente. Este último trabalho representa, assim, uma nova direção que envolve o racional, o emocional e o poético, mas mantém suas raízes na essência do trabalho de Moysés, o ciclo da vida, morte e regeneração.
Berta Sichel
Diretora, Departamento de Audiovisuales, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (MNCARS), Madrid, ESPAÑA.