Entre-telas

De um modo geral, as possibilidades da arte para desconstruir um determinado modo de fazer a mulher é o que caracteriza as investigações artísticas de Beth Moysés.
Em seus primeiros trabalhos, o vestido de noiva foi a matéria simbólica colocada sob crítica, tendo em vista a sua função original de performar uma mulher para o destino da pureza, da submissão e do casamento.
Descontextualizados da sua função original para performar uma mulher para o amor romântico, fragmentos do vestido de noiva foram recolocados no contexto da violência suportada pela mulher feita para a passividade sob a dominação masculina.
Foram objetos, performances, vídeos.
Foram rendas, brancos, pérolas, vermelhos, corpos, roxos.
Foram galerias, praças e abrigos.
No vídeo-performance Entre-telas, 2015: a memória que perpassa as gerações e a novidade que faz de cada uma delas, uma geração.
Sempre é tempo para reproduzir, sempre é tempo para confrontar, sempre é tempo para reinventar.
Tempo esculpido pelas forças da permanência e pelas forças da mudança que perpassam os corpos da avó, da mãe e das filhas.
Corpos cujo vínculo é tecido por meio de sangue, genes, amamentação, afeto, comunicação, cultura, posição social, história. Corpos que nunca são sozinhos, mesmo sentindo-se solitários.
Na sucessão das imagens vemos a artista, sua mãe e as duas filhas aparecendo na tela na medida em que o movimento de uma cadeira de balanço as avança para frente ou as recua para trás. Ritmo.
Entram e saem sucessivamente da tela. Uma depois da outra. Uma diante da outra. Passado dobrado sobre o presente. Presente curvado para o passado. O futuro na necessidade de continuar no imperativo do momento. Implacável.
Para todas.
O tempo não é reto. A memória que percorre as relações não é linear. O tempo não anda apenas para frente. O tempo volta. O tempo avança. O tempo resiste. O tempo flui.
Às vezes, o tempo rui.
O tempo é tenso.
Existe o passo e o descompasso. A simetria as identifica. A assimetria as distingue exigindo novos esforços de composição. Harmonia.
Algo permanece fazendo delas as mesmas numa memória comum.
Algo se transforma fazendo delas outras numa memória crítica.
O som do movimento das cadeiras é o fundo das formas produzidas pelo encontro em movimento. Na forma, há ressonância. Ninguém escapa.
Há cosmos na ordem constituída.
Mas também há caos nas transformações inesperadas.
Afetado, o cosmos muda.
O vídeo é apresentado em uma instalação, na frente do qual está posta uma cadeira de balanço estreitíssima na qual ninguém consegue sentar-se.
As mulheres da imagem não cabem na cadeira em corpo real.
Há algo de inadequação e de morte.
Mas também há algo de transbordamento e de sobrevivência nas formas que entrelaçam as gerações.

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